E pela janela ela olhava. Olhava a pureza daquelas pequenas mãos ao brincar na neve e ignorar o frio. Notava os pequenos devaneios presentes desde de sempre. Presenciava a perfeição nos singelos erros nas asas dos anjos desenhados no chão. Imaginava aquele universo paralelo da qual ela mesma um dia fez parte. Um universo no qual tudo era possível e todas as pessoas sorriam. Outro universo em que todas aquelas outras discussões não existiam. Ela um dia vivera naquele universo em que tudo era perfeito. Mas resolveu deixá-lo para trás. Mesmo que isso significasse colocar um pouco mais de cinza em seus dias ensolarados. Afinal, se tudo aquilo que uma vez criara não poderia ser contado como história, e realmente sentido pelo coração por não ser verdade, não valeria a pena continuar fingindo. Em sua infância talvez aquilo tenha sido realmente saudável para livrá-la da triste situação em que os sonhos nem sempre se realizam. Mas como Shakespeare diria, uma criança descobrir que suas fantasias não podem ser levadas adiante seria uma verdadeira tragédia. Mas ela não era mais uma criança. Mesmo sendo cedo demais para isso. Mesmo sendo cedo demais para perceber que quando nossos pensamentos estão nas nuvens, seria bem melhor manter os pés bem presos ao chão. Para dizer a verdade, em sua concepção descobrir isso sempre deveria ser cedo demais. Mas quando se sabe o tamanho do tombo, às vezes a dor é menor. Dor. Naquele seu universo isso só existia quando ralava os joelhos tentando aprender a andar de patins. Chega, pensou. Agora ela fazia parte de um outro mundo. Desse que todos fazem parte. Era isso. Agora ela só precisava de sua pá. Para enterrar tudo aquilo que ela vira pela janela. Ela via através do vidro meio fosco por sua respiração quente a si mesma brincando na neve há muitos invernos passados. Colocou seu cachecol roxo. O mesmo desses mesmos tantos invernos. E ela então enterrou seu cemitério. Seu cemitério de lembranças. Tudo isso dentro de um pequeno e raso buraco na neve. Tudo isso ainda dentro de seu mundo imaginário. O mesmo mundo que pensava ter deixado para trás . . .
Giovanna Malavolta
Giovanna Malavolta
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