3 de outubro de 2010

ENTRELINHAS

     Ela simplesmente não sabia explicar como todos se entusiasmavam quando dizia que iria mudar-se. Logicamente com a questão de uma casa nova, coisas novas, vida nova. Essa era a parte boa. Mas antes dela precedia a poeira, as caixas há muito sem serem abertas, as cartas jogadas ao chão, as fotografias que causavam falta de ar. Tudo numa mistura de água e sal, saudade e reflexão. Ela estava naquele exato momento de imersão. Observou-se em meio de uma infinidade de papéis, letras reconhecidas acompanhadas do cheiro relembrado na imaginação. Naquela desordem, toda a sua capacidade se resumia a olhar. Olhar carta por carta e pensar em qual lugar aquele laço deu errado, ou este foi afrouxado... E esse? Porque nunca mais se falaram? Distância, descaso, decepção. Ao fechar os olhos conseguia sentir os abraços e escutar as vozes e promessas: "Nós nunca, nunca mesmo, vamos nos separar."E ela se perguntava... Será que somente ela lembrava desses frases? Das fragrâncias e tons. As fotos, entretanto, eram a pior parte. Elas diziam mais do que as cartas. Mais do que os bilhetes, mais ainda do que as próprias lembranças. E o volume da caixa com as fotos especiais cada vez aumentava mais, e mais. De repente fechar todas aquelas confissões não parecia tão fácil como sempre fora. A decisão entre vai ou fica nem sempre era tão simples. Mas havia outra caixa. Mais reconfortante, revitalizadora, real. Essa era aberta com uma frequência relevantemente alta. Eram as cartas dos novos amigos, as fotos das últimas viagens, da nova escola... Para ela, isso não diminuiu o valor da outra, mas demonstrou que ela ainda possuía pessoas extremamente especiais a seu lado. Deixou claro que é o que acontece... E cercada por toda aquela poeira, horas passaram sem ela ao menos sentir. E os perfumes que só ela sentia se misturavam no ar. E os abraços, na mente. E ela sabe que se lembrará de tudo. Ela sempre lembrou.

Giovanna Malavolta